domingo, 25 de dezembro de 2011

Partem comboios

Partem comboios ao amanhecer,
Partem vazios de esperança,
Saem pela cidade no silêncio
Abrupto da ignorância,

Vão, vão e em vão, comboios apinhados,
Repletos de gente muda e amedrontada,
Esmagam nos seus trilhos os inaptos
Torturados no instinto da manada,

Partem, desde quando, até quando?
Quem os ordena? Com que valor?
Quem nos vale no deserto povoado?
Talvez, a sorte, talvez o amor?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Homenagem a João Peste

Lembras-te João,
Da folie dos oitenta e das festas
De cores garridas, as mulheres
Peludas e os óculos démodés?
Os toques desgarrados na
Guitarra que parecia abrir
Caminho, as noites de loucura
E embriaguez – o pleno, o
Esquecimento?
Era nesses momentos que
vinhas a ti, nu, original num
templo descarnado onde sacrificavas
toda uma vida de conforto e mediocridade
por um momento de verdade?
Então o mundo abria-se sem par,
Cheio de possibilidades e sensações,
Uma só descoberta e adormecias.
Mas de manhã, quando acordavas,
Era tudo mentira, e só a
Ressaca descomunal te fazia voltar
ao pesadelo, ou o deserto e a
falta de perspectivas e um
mar de incompreensão e intolerância.
Sim, talvez fosse essa a verdade, mas
O sonho segue vivo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sopro

A um sopro volátil
tudo, efémero, se esvanece
E a humanidade cedo esquece
Que um dia existiu Voltaire,

Não vivemos o amanhã
E o peso nefasto da hora,
Não é o amanhã sempre o agora
Agora e perpétuo amanhã?

Sempre o inexorável presente,
Como se não existira memória
O desejo de paz ou o fim da história
Paira em ilusão eternamente,

Sempre nós, sempre os mesmos
Abandono sensorial,
Complexo universo burial,
Os mesmos conceitos, mesmos termos.
A um sopro volátil
tudo, efémero, se esvanece
E a humanidade cedo esquece
Que um dia existiu Voltaire,

Não vivemos o amanhã
E o peso nefasto da hora,
Não é o amanhã sempre o agora
Agora e perpétuo amanhã?

Sempre o inexorável presente,
Como se não existira memória
O desejo de paz ou o fim da história
Paira em ilusão eternamente,

Sempre nós, sempre os mesmos
Abandono sensorial,
Complexo universo burial,
Os mesmos conceitos, mesmos termos.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Da memória

Lembro-me de um pequeno mago
(talvez fosse grande, lá para os lados do Lilliput?)
Bom, o que interessa é que tinha boa memória.
Memorizava tudo o que ouvia. À primeira.
Fixava cada pormenor do que escutava,
Avesso a abstracções, claro está.

O pequeno grande é dos bons! Não faz juízos de valor.
Faz bem em não arriscar. Já demasiados arriscaram
Demasiado, e por isso mesmo demasiados não recordam o seu apelido.
Joguemos pelo seguro, porque pelo menos, enfim, estamos seguros.

A um desses santos deu-lhe para o marquetingue.
Sacana! A inveja que lhe tinha cada vez que me
Arreganhava aquele sorriso!

Outro, porventura mais arrojado,
Deu-lhe para ser feliz, e em todo o
Quarteirão nem uma só alma o censurou.

Enfim, sabe Deus a quantos mais não dará
Para certas e determinadas coisas.

Ah! Se bem me lembro, falávamos da memória.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Despia-se no templo da Mona, onde o altar é um espelho

E as vestes puídas tombavam-lhe dos ombros,
Ao fundo, bem ao fundo, um povo cigano
Eternamente amaldiçoado pelo pecado original
Vagueia, ainda hoje, alimentando-se do roubo
E da caridade dos felizes para com os seus filhos
Deliberadamente estropiados;

Alimentou-se do sangue dos pobres e dos nobres,
Lembrando que um dia na história foram o mesmo;

Contemplou a vontade, tão mísera e impotente,
Submetida a uma outra … incógnita, irredutível;

Mas quando à noite recolhe ao seu leito
Beija, submissa, os pés do seu marido
Alguém a prevenira para o abismo que se abre,
Quiçá, em cada milénio, ou cada vez que o
Equilíbrio cósmico é perturbado…

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Disse o polícia, comendo a ameixa...

Disse o polícia, comendo a ameixa:
« Não existe, querida, isso a que chamas amor,
Existem sensações e químicos, sobretudo químicos…
De vez em quando resolvem-se conjugar e aí temos,
Nada de especial, o amor…

Lembraste de como o amaste, e de como
Três vezes juraste por todo o sagrado?
Pois te digo que as mesmas juras farás,
Vezes sem conta as farás e assim, bela como és,
Amarás cada vez que o decidires;

Sabes como és violenta quando te apaixonas,
Pois também o sei… e de quão rápido os esqueces
Como se de um sonho acordada não passara,
Pois podes sonhar essa farsa cada vez que assim o desejares,

E assim o amor voltará a surgir,
Tal como o mágico vai tirando os coelhinhos da cartola,
Radiantes os químicos voltarão a fluir
Como quem faz uma bela sopa…»

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Ou outros ou nada

Ou outros ou nada,
Porque já não servimos
Demasiado cremos e ouvimos
O excesso torna a vista condenada;

Venha algo mais puro, ou a morte,
Aos nossos pensamentos poluídos
Uma voz que acabe com o ruído
Um timão que nos indique o norte,

A essa abundância imaginada,
Corte a sorte o fio do Ser,
Não sabemos o sofrimento e o prazer
Não sabemos viver nem morrer.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Por vezes a terra treme

Canto, canto, os desafortunados,
Os pobres de espírito, os fúteis,
Os medrosos, os covardes,
Os mentirosos, os preguiçosos,
Os melados, os maricas,
Os poetas, fugitivos,
Os parolos, os cativos,
Os doentes, os falhados;

Enquanto os que assim canto,
Existem e são vivos,
O mundo segue o seu castigo
Revestido de cores bonitas;

Enquanto os milhares se banham
Numa orgia de conceitos
Desfaço-me em frases feitas
E melodias decalcadas,

Mas por vezes a terra treme...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Que me vejas solto, franzino e sonhando,
Soturno, louco tresloucado,
Cada suspiro meu recomendado
Vai, em cartas perdidas voando,

Que me vejas perdido, arruinado,
À terra da marinha malfadada,
À estepe infinita abandonada,
Antes mudo para sempre que calado;

Que tudo vejas nú, desencontrado,
Porque ainda muito antes de ter nome,
Todos temos no corpo sensações,
------------------------------------------------
Ó se o diabo digital o deformara….
Sonharas inflações e deflações

E assim a nossa eterna agonia,
Sem um sopor genuíno de amor
De pouco ou mesmo nada valeria…

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sobre o desaparecimento

I - Erosão

Fujo, desato, como o que sinto, Como, bebo, durmo, ejaculo, Faço fita, olhares, esgares de vista, Por onde passo nada fica, tudo muda; O tempo cava em mim o precipício, De onde correm águas passageiras, Ao susto da subida o cilício, Do velho paternalista, Velho tolo, Já devo ter as vistas bem treinadas, E as orelhas do barulho massacradas.

II - Elegia

Cavaleiros Sem-Terra Jograis Barregões e Barregãs Filhos bastardos Jacques deste mundo Moçárabes Judeus Sans Cullotes Camponeses presos à terra E OUTROS FILHOS DA SEGUNDA SENHORA UNI-VOS! Vós sois o rio esquecido da história, Aquele que não desagua em lado nenhum, Espécie de mares ptolomaicos, UNI-VOS! A morte saúda-vos!

III - Não chores

Não o chores o momento linda não, São só sombras, esses que aí rodam, Não penses em guardá-los para sempre Guarda-os para ti longe, bem longe do coração; Não penses mais nem sofras por fantasmas, Eles passam e desvanecem-se, E outros virão e qual nuvem passageira, Pois se não sabes amar não aprendas, E sossega linda, sobretudo, sossega, A carcaça que tens tua é garantida, Ainda que pútrida, acompanhar-te-á para sempre.

IV - Bocas secas

Só beijo bocas secas sem saliva, Sonhos molhados me deram de saliva a imaginação entretiveram Mas beijo-as e nada, já não têm nada, bocas sem saliva.

VI - Poema plagiado

Poema plagiado, este sim...original, beleza e sentimento renovado na leitura. Poema, plagiado ou não, quem nunca não jamais te esqueceria Se me trouxesses um só silêncio, Contigo in testa, subiremos a montanha onde não haja ninguém, nem ideias nem sublimações, nem literatura nem prazer nem orgulho.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Porque era tempo

Porque era tempo
que fluíssemos esquecidos
nesse rio de gente morta,

Entre o crepitar louco da ribalta,
encontraríamos o nosso lugar,

Tempo de ver, com tristeza,
de novo, Europa,
o ribombar furioso dos tambores,
Esses que tão rápido aprendeste a odiar,
Rápido desaprendeste,

Se só na destruição te encontras,
Se só o sangue inocente dos teus filhos te sacia,
Porque não extinguires o teu falso brilho?

Porque não abjuras assim,
Já que sempre, para ti, é demasiado tempo?