segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Por força me encontrarás, uma destas noites,
Num cais do Sodré noir à anos 80,
Os pacotes de cigarros, montes de piriscas,
As bolas de espelhos a rodopiar.

Tu, já sem a frescura de antes, é certo,
Mas sem me resignar aos prazeres de velho
Passarei a noite ao frio, debalde espera.

Engolirei impassível a chacota das adolescentes
E os meneares de glúteos irónicos,
Os obituários do jornal como os de um estranho,
Quem foi? Quando viveu?

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Histórias de bons tempos, non capisco.
Os tempos nunca foram história nem bons,
Sempre horripilantes e caóticos.
Dos que lhe sobreviveram, resta a memória
Que um dia os deixará na sombra.

Sempre tudo estranho, pure strano,
De quantos com amores de infância,
Vidas irrepetíveis se encontram postergadas

Espalhadas na areia.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Se enquanto jovem tiver pachorra, querida,
Para aguentar tudo o que se exige de mim:
Dinheiro, saúde, bons intestinos e procriação,
Eis-me já velho, uma puta barata, vendida por tuta e meia.

E quando os meus braços flácidos já só penderem
Para as verdades comezinhas da vida,
Com o teu olhar quieto e inocente
Leva-me de novo pelos ares, mesmo que puta,

Mesmo que sujo como as pedras da calçada
Porque não é para menos. A vida suja tudo,
Mesmo os amores perfeitos se nos dermos ao
Trabalho de os esmuiçar, se não cortarmos a peça

No inicio e esperarmos pelo descerrar do pano.
Senão, vê como se passeiam esses homens lisos, de cartão,
Esses terríveis bondosos e medianamente inteligentes
Essas todas no limbo da prostituição,

A cadência terrível das horas de ansiedade que
Não deixam ver as coisas, os que viajam mas não
Cheiram e não sentem. Tudo igual a tudo.

A torpeza asiática dos que se violam
A crónica infinita do mundo

E a vida que nunca nos permitirá ver como tudo mudou. 

segunda-feira, 18 de julho de 2016


Se as vozes sem grão
E as planuras sem rugas
Te anunciarem um novo e maravilhoso mundo
Sem Deus nem história, desconfia.

Desconfia sempre e afina o olhar
Não vejas tu em vão dissimulado o ancestral sangue dos séculos,
Ou o cheiro a merda invadir a sala dos espelhos,
E de vozes assépticas rugir a rouquidão do ódio,

E os ossos e gritos dos que viveram e lutaram,

Jacentes, esmagados, os vejas vibrar ao teu apelo.