sexta-feira, 12 de junho de 2015

Fauvismos

I

Para quem delas não foi nascido
As américas sugam um homem até aos ossos,
As grande planuras a perder de vista,
Os rios que desaguam em oceanos e lagos imensos,
O frio glacial do ártico no norte,
As tórridas paisagens às quais não se sobrevive,
A fortuna ou a morte ao virar da esquina,
Como seria percorrer esse país infinito e continuar no mundo dos vivos,
Cumprir a viagem e acabar de bolsos vácuos.


II
De tanto invejar,
O meu coração encheu-se,
E assim, passeando-me altivo
E com rancores  por entre
Seculum seculorum de piedade cristã,
Sentei-me;
Levanto-me e compreendo que
De tanto odiar o meu coração
Encheu-se do desejo de vingança
E não fora função mediadora da lei
E a sumptuosa construção da sociedade
Para refrear as leis naturais,
E já muitos teriam provado o
Sabor amargo do braço forte de Darwin.

III
Quem vê um amor nascer,
Alimentá-lo e dar-lhe carinho,
A desabrochar como as flores da primavera
E no momento e no dia fatal
Plantar-se-lhe na fronte a dúvida,
A definhar e a encher-se de vícios
Como se uma pele lustrosa e límpida
Se tingisse do rubor do álcool e encarquilhasse,
Como se à frescura dos montes minhotos
E ao cheiro acre dos campos dourados do Alentejo
Nos confinassem a uma sala cheia de rococós e ornamentos,
E ter que denunciá-lo e vê-lo morrer,
Era como ter-se rendido,
De uma vez por todas
A toda essa implacabilidade de mecanismos e movimentos,
Como se ver na crista de uma onda que já não é onda,
Que reflui não se sabe para onde.
Era como remexer-se nos trilhos dos comboios
Em sentido contrário à história e às histórias
E plantar-se nos ângulos mortos com cheiro a urina dos viadutos dos subúrbios
Era como ter nos versos filhos ou entregá-los ao mundo
E vê-los trucidados pela oferta e pela procura,
Nas filas de trânsito como animais no matadouro
Ou como suburbanos cheios de ideias
Em bairros de classe média prepotentes.
Nada então como vê-lo nascer, definhar e morrer.

IV

Romper,
Abrir o buraco,
Quebrar o cimento,
Cavar, cavar,
Sempre mais fundo,
Abrir caminho
[E]
Fenecer,
Ver-se gorado,
Nu e despojado
Mijado pelos cães.

Pobre Judas,
Judas, pobre Judas.

V

Se um dia, como aqueles heróis antigos,
Regressares à pátria,
Não à das bandeiras,
Mas à do cheiro tépido da terra molhada
Das manhãs de inverno cobertas de uma misteriosa névoa,
Dos recantos únicos, irrepetíveis,
E em cada rincão encontrares pedaços desse tempo perdido,
Que já foi o de muitos que o perderam,
O doce despontar da primavera com as árvores vergadas pelos frutos,
Os dias a alongar a morna brisa que embeleza o entardecer,
Os bravos montes que sabes serem os dos teus antepassados
[e de quantos beijaram e peroraram os passos que agora beijas e peroras];
As caras, as mesmas, que agora vês envelhecidas e enfeitadas de cabelos brancos,
Não voltes, como os da prosa, para cultivar o campo e entregar-te ao doce torpor dos dias
Até que estes te esqueçam;
Regressa antes como os antigos, como um dos heróis que exibe a duros tragos as cicatrizes passadas em campos estrangeiros,
Orgulhoso, mostra o saque que o suor te mereceu ou deixa mesmo que te entrevejam
No brilhozinho oculto dos olhos a gritos das mulheres dos outros, as que violaste.
Num regresso tudo é vitória e a vitória tudo cobre de louros,
Assim, boa de ver, como a dos antigos.


VI
Por estes dias

Por estes dias aflorou-se
o andar à socapa do mundo,
trocar-lhe as voltas,
perverter-lhe as engrenagens
e morrer desconhecido.
Como tal não fosse possível resolvemos
assumi-lo em toda a sua catástrofe,
usá-lo possuídos como que de uma energia diabólica,
procurar os arremedos grosseiros do prazer e da glória
que um país ribeirinho pode proporcionar.
Como Richelieu, o crente mais descrente que existiu,
enveredar pelos grandes paradoxos.