quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Celebração

I


Hoje celebro:

A tristeza e a alegria,
A paz e a guerra,
O mar e a terra,
Fulgor e melancolia;

Celebro:

O meu sangue envenenado,
A beleza que passa,
O grotesco e a graça,
O viver enganado;

Celebro o penitente
Com o mesmo enfado
Do engalanado;

Celebro assim,
De forma indiferente,
Na mesma canção
Apenas porque, enfim,
Seja cão ou gente,
Pisa o mesmo chão.

II

Tem tanta razão quem me ama
Como o que me cospe e difama,
Quer me exalte e enobreça
Quer me insulte e esqueça.

III

[taberneiro]

Avaros passamos,
Em cada momento,
Nada que criamos
Dissolve o tormento,

De ter de viver
Amar e sofrer,
Será a nossa sorte
Na vida e na morte,
[todos]

Não há hemisfério
Nem mar nem terra
Que saiba o mistério
Que a vida encerra,

[1ºbêbado]

Ergam bem a taça,
Senhores e senhoras,
Ventura e desgraça,
Boas e más horas;

[2ºbêbado]

Um copo de vinho
Fresquinho a jorrar,
Coroa sozinho
Um Deus no altar;

[prostituta]

Grego ou romano
Vilão ou paisano,
Honesto ou malsão
Pagão ou cristão,

[todos]

Bebam amigos
O néctar da vida
Os sonhos esquecidos
A infância perdida

[taberneiro]

Bebam, que se faça
Ouvir tilintar
O cristal tão frágil
Quase a estilhaçar;

[estudante]

Tudo é tão fútil,
Nem quero pensar
Que aquilo que é útil
É para largar;

[assalariado]
Se a própria existência
Inútil por si,
É pura demência
Para quem não ri;

[recém-chegado]

Por isso eu bebo
Para meu opróbrio
É maior o medo
Para quem está sóbrio

[todos]

Bebam companheiros
Enquanto haverá
Vinho carrascão
Que a vida nos dá;

[poeta]

Triste? Triste é respirar o mesmo ar
E não ver do mundo outra beleza
Que comer, beber, procriar,
Não ver o doce tom da natureza.