domingo, 8 de março de 2009

O poema mais longo

Já não posso disfarçar a evidência,
Que em farrapos as esperanças se fizeram,

Nem a parca luz da noite cobre a minha cabeça, já calva.

Tudo parece impossível,
Tudo sobrelotado,
Tudo cheio,
Tudo inventado.

Crises financeiras,
Deficits públicos,
Episódios repetidos,
Recuperação económica,
Reformas,
Política social,
Formação contínua,
Integração positiva,
Sanidade mental,
Obras públicas,
Pílulas sem efeitos secundários,
Circuitos inteligentes,
Orientação para resultados,
Neologismos,
Anti-depressivos,
Cálculo do impacto,
Reserva prévia,
Seriedade,
Especialização.

Tudo no seu lugar,
Pessoas trabalham,
Desanuvio de fim-de-semana,
Amores efémeros,
Jogos de sedução planeados,

Meninas de aspecto metodicamente desleixado – diga-se metodicamente desleixado,
Meninas de aspecto ostensivamente promíscuo e perfeitamente apalpáveis – diga-se, perfeitamente apalpáveis;

Sistemas de filtragem e funcionamento do sistema,
Bebedeiras de fim de noite,
Crises existenciais e cinema de culto,

Guerras virtuais e reais,
Pornografia infantil,
Crises de meia-idade,
Aquecimento global
Desaparecimento da espécie humana,
Multiculturalismo e multilinguísmo,
Ressurgimento das culturas locais.

Horas sonolentas passadas no café da esquina que conserva o pó comprovativo da sua antiguidade. A cadeira dos grande artistas continua aí.

Secretárias mal humoradas e empregadas de mesa que nos tratam pelo nome próprio,

Testes de QI e alquimia dos sentimentos,

Jovens aspirantes a escritores que escrevem a bord de la Seine tal como os seus predecessores,

Literatura que expressa sentimentos, sinceros ou não, mas sentimentos,
Detectives para os casos de infidelidade,
Curas milagrosas,
Cultura de evasão,
Vidas malogradas,
Defesa da cultura,
Subsídios estatais,
Morte assistida,
Soluções alternativas,
Compatibilidade entre casais,
Dinheiro virtual,
Ataques ao dogma,
Análise pós-moderna,
Maturidade do capitalismo,
Homens vestidos de mulher e respeito elas opções sexuais,

Oportunidades de carreira,
Doenças do amor,
Diminuição de riscos,

Doses de filosofia para curar males do quotidiano.

Mendigos na rua,
Traumas de Infância,

Melhoria das telecomunicações,
Viagens Low-Cost,

Meninas que lêem aproveitando o súbito calor de uma tarde primaveril e varões (meticulosamente) despercebidos ao seu olhar indiscreto.

Grande nomes esquecidos pelo tempo,
Fotoshop,

Comentários da actualidade pelos mais autorizados especialistas,


Menina que rodas em ares de dança,
trarão tuas voltas a minha lembrança?

Corpos desesperados encontram o seu último refúgio numa louca noite de amor, diga-se – amor.

Actrizes porno fingem orgasmos com uma sinceridade desconcertante,

Beleza oculta de uma mulher feia,

A menina que passava partiu corações,
Não opulência das suas carnes mas pela generosidade do seu andar,

Elogio das gentes simples,

Hiper-exposição do ridículo e adaptação da Igreja católica aos tempos modernos,

Desespero sem causa e choro como terapia,

Notícias falaciosas,
Controlo dos media,
Insegurança,

A menina que passava olhava para trás e denotava
Uma expressão indizível de mágoa,
O exército vitorioso chegou hoje à cidade. No entanto não havia nenhuma comissão de boas-vindas.

Foi então que o jovem soldado sentiu
toda a sua inutilidade no processo de vitória,

E que esta teria sido igualmente alcançada
Se a sua existência tivesse sido suprimida,

Justamente aí reparou que já não recordava as privações passadas,
Nem disfarçar as botas esburacadas,
Nem os dedos amarelados do cigarro.

A sua farda, outrora nova, mostrava sinais evidentes de desgaste,

Saiu para a beira-rio,
Fumou outro cigarro e cuspiu…