sábado, 8 de dezembro de 2012

A Crónica do Mundo



Por várias vezes a vi,
À saída do centro da cidade,
Ao dobrar da primeira esquina,
O avassalador monte de luzes dos arredores,

E há blocos de cimento
E gavetas e gente lá dentro,

Vi, na noite, o rio que divide
A cidade, como um espaço de nada,
Ao outro lado, as luzes dos arredores
Parecem um rio de fogo suspenso.

Luzem as luzes,
Enquanto não rebentar o grande Peido,

Às vezes apagam-se, e
Olhámos o rio, vazio, assim,
Sem as luzes da cidade dosa arredores ao alto,
E o espaço é um grande nada.

Será que vivem?

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Ne tournez pas…



Não vás nem voltes,
Ao intenso glamour do regresso,
É tudo uma ilusão
A vida é dura,

Dura já o é
Para quem nasce, vive  e morre
No local. Fica. Cava a Sepultura e
Pinta a cerca da Aldeia,
Faz o bem ou torna-te Santo,
Ou embrutece-te, banal
No porno do jornal,
Mas fica.

Se gostaste, não voltes.
O que procuras compreender
É como esse país infinito,
As estepes geladas da Mongólia
(todos sabemos que só os mongóis
Sobrevivem à Mongólia),

A vã glória de Napoleão
A loucura de Hitler, as chuvas
Frias do Outono e a lama pegajosa…

Fica. Morre velho, no conforto do lar,
Acumula capital,
Apaga esse fogo insensato,
Esmaga-o, fá-lo desertar,
Sobretudo, não vás nem voltes, fica.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Poema Ante-Póstumo



Porque falavas como já ninguém fala,
A razão para falares sem cessar,
Com calma e clareza, mais fala,
Como se o mundo estivesse a acabar,

A Ti, que respeitas o silêncio
No silêncio quebrado dos murais
Sujam breves e incisivas no silêncio,
Baluartes, espadas e punhais,

Que a tua voz plausível, sage e insigne,
Elevada sobre a sombra da suástica,
Prevaleça como um repto rectilíneo
Sobre a nova assepsia pornográfica.

A cidade, velha astúcia, é hoje morte,
A concórdia, mentira descarada,
Mas de ruinas, a tua voz sairá mais forte
Nessa nova e ansiada madrugada.

sábado, 3 de novembro de 2012

Non Plores, Brutus



Brutus, não chores,
Se as Moiras te mostrarem
Um futuro Tenebroso,
Se toda a tua coragem e esforços
Para domar a cobardia
Saírem gorados.

O Povo gosta de tiranos,
Já o devias saber.

Tão pouco lamentes
O dia em que imperadores
Efeminados conspurquem o nome
De Roma ou então, horror dos horrores,
Se intitulem de Rex.

Já está tudo escrito e tudo pensado
E das falas ordinárias dos bairros de má-fama
Sairão ainda obras belas como as que
Aprendeste dos teus perceptores.

Do mais duro dos corações
Podem ainda sair Eneidas em gestos,
Nada acabará, Brutus, apenas aparente
Na mudança se desenha o apocalipse.
Não te fies.

Ainda antes, acaso não te tivesse tomado
A ansiedade, que te volvesses num poço de necessidades,
Haveriam de te lembrar e engrandecer.

Não te fies Brutus, não te fies….


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Silêncio,


Acalma as vozes que dentro de ti urgem,
A sofreguidão de respostas.
Habitua-te à incerteza como um cego
Se habitua à escuridão.

Não te esmeres, nem insultes os Deuses
Em latim, em grego, em prosa ou em verso,
Pois quando compreenderes (finalmente)
Que a resposta é a indiferença naturae,
Dar-te-ão por solilóquio o silêncio.

Não te regozijes quando os vires, os teus inimigos,
Emudecer de vergonha, e se porventura
Esboçarem o riso trocista dos vigários,
Acompanha-os na piada.

Não persigas um bandido, mesmo que eloquente
O apanhe o acaso desprevenido na última das
Suas trapaças. Pois por mais que vocifere,
O seu estrebuchar transmitirá só o silêncio.

domingo, 23 de setembro de 2012



Levai-me, levai-me para longe,
Bem longe do conforto snobe das cidades,
Para gavetas de cimento, pólos de descanso
E esquecimento fácil,

Madona Mia, tu me queres bem,
Afasta do cliché os olhos meus,
Mil vezes o grafiti desordenado
O corpo de moda barata
Em túneis e passagens trespassado
Aos gastos jardins de pompa en fleur,

À amena placidez dos novos-ricos,
Os faróis do bom gosto e educação,
No dia da verdade curvar-se-ão
Às catedrais de betão da banlieue.