segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A um velho amigo da social-democracia,




 Ao velho perdigão fugiu-lhe o chão,
Coitado, o crente nosso
Dos ideais, dos sociais e democratas
Estatelou-se democraticamente no chão,

Aos olhos confiantes de outrora
Cravou-se na face a melancolia,
Que vê passar um e outro dia,
Sem ver gorja nem esmola nem pão,

Nem pró cigarro fumar,
Nem pra beatas e bilhar,
Nem dama à vista?
Oh meu Deus, Ajuda!

Que me acuda são Cavaco, acuda!
Não há cores nem laranjas que valham
Contra este sem-fim-à-vista, a fome
Sem retoma e a barriga a crescer?

Cavaco, quero morrer sem dar cavaco,
Mas promete, timoneiro,
Na minha ultimada sepultura,
Uma bela rosa laranja no canteiro!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A C. Bukowski



Não precisas dizer, Charles,
Bem sabemos que não vale a pena tentar,
Não precisas de contar histórias extraordinárias,
Seres sobre e sub-humanos,
As grandes façanhas, o holocausto,

O homem é monstruoso que chegue na sua dimensão,

Sabes, são duras,
Não as grandes dores, a morte dos pais, a morte de um filho,
Uma doença, mas as pequenas,
As de todos os dias,
O taxista o empregado de mesa –
Seres de suprema perspicácia -  
Adivinham que és um zé
 Ou então um discurso - e todos aplaudem e gostam
E só tu ouves merda e queres gritar…

É duro, Hank,

A luz do frigorífico de todos os dias,
Os lamentos das donas de casa no metro,
As sopeiras na paragem de autocarro,
As adolescentes com bebés ao colo,
E escrevias um poema magnífico – como são os teus-
E saías à rua, não com a esperada bebedeira,
Mas lúcido como um alho – e o rapaz de fraque à porta 
Vira a cara ao lado quando passas;

Esses olhares, Hank…

As pessoas não são parvas. Todos olham pela tua vida
Como se fossem Deus-Todo-Poderosos;

A rapariga ruiva enfezada que te olhou desdenhosa ontem, lembraste?
Percebe mais de fisionomias do que um frenologista.
Agora até as ameaças, não é, valentão?
Sabes bem porque é que elas não voltavam, não sabes?
Aquelas palavras meias ditas, aqueles gestos,
Bem sabias o que significavam,

Por isso desconfiavas, e com razão,

É um mistério, sabes…



segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Éramos muitos



Éramos muitos,

Não sei quantos, mas muitos,

E Deus criou a palavra, e por ela nos votou à imperfeição,

Davam-nos papel higiénico para limpar a cavidade oral,

E Deus criou o corpo e as montanhas,
E em ambos colocou abismos insondáveis,

Éramos muitos e fortes, e eles poucos e fracos,

E para que conservássemos a vida
Deus criou o medo

Éramos muitos,
No entanto os nossos braços fortes pendiam
Como galhos despidos aos primeiros sopros do vento de Outono.

(…)
Não nos preocupemos, amigos, em colecionar as falhas dos ricos,
Eles são gente poupada – e paciente – certeza é que
Aguardam o momento certo para nos lançar a funda dos nossos pecados à cara.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Inflações e Deflações

 
Criar Compatibilidades

Hoje o meu coração caiu no lancil do passeio;
Exposto aos elementos, uns magalas apanharam-no e gritaram:
 - Olha, um coração!
Um outro mais à frente vociferou:
- Olha, aqui está uma perna!
A história continuaria até se encontrarem enumerados todos os órgãos e membros do corpo humano,
Ergue-te, ó Albatroz, que as tuas faces cronicamente rosadas empalideçam, as tuas sobrancelhas em forma de arco se crispem, os teus olhos a meio termo chispem… As tuas partes e a tua gordura parece estar mal distribuída pelo todo.
Ei-los, levados pela chuva,
Tenho-os visto por aí, desconjuntados, uns sem braços, uns sem pernas, outros sem cabeça;
São tantos que dariam um exército de aleijados – uma brigada do reumático,
Se os juntássemos a todos e formássemos um corpo com as peças uns dos outros – uma perna ali, um coração acolá, um fígado, talvez tivéssemos um de jeito, mas
Tenho-os visto por aí…

Escalada dos Juros

Um cobói disse-me
Que a única ciência que não merece ser estudada
É a química, talvez por demasiado importante,
Its all about chemistry. Apaixonamo-nos, desiludimo-nos e
Com a certeza do calendário voltamos à carga. É a crónica do mundo.
Sofremos todos dessa.
Os que se terão perdido não passam de vagos escolhos.
Mas a fome é real como uma besta assanhada arranhando-nos
As paredes do estômago.
Está é a vida após a vida, a história após a história.
Do que nos queixamos afinal?

Skills Match

Uma vez na Lagoa de Merda,
O meu coração contemplou o mundo:
- Vai e conhece o Mundo, disse-lhe eu;
- Ai o mundo, disse ele. Não existem leis, apenas regras. Está tudo visto e tudo estudado. Este é, portanto, o fim.
- Que maravilhosa unidade há no mundo, concordei;

Gerar Sinergias
Depois de bem amassado,
Seguiu pelo esgoto até encontrar o
Lago onde desaguam todos os dejectos da cidade – uma Veneza de merda, portanto;

A minha mãe faleceu ontem, por inanição,
 e o Ministro da Solidariedade e segurança Social congratulou-se
à hora do telejornal pelo corte de dois milhões na despesa.

Entre todos os defeitos que um homem pode ter,
O único que nunca lhe perdoarão é ser pobre.

Refundação do Estado

O meu irmão fugiu ontem para o Brasil -
Que escolha difícil a dele… Viver num
País medíocre e maldoso ou ser
Cidadão de segunda no mundo civilizado.
E caramba! Onde quer que vamos
só nos aparecem malucos.
Dizem que a vida por lá é difícil.
Refundaram uns contentores para os
Imigrantes dormirem.
Dizem também que não há vida para além da
Da esperança. Estão enganados. Mesmo em decomposição
Os corpos continuam a comer, foder, defecar;
As patranhas que não poderia sonhar sobre os mais ilustres –
As falcatruas – mas a verdade é insuportável, Deus meu. Depois,
A humanidade já está cheia de ditos espirituosos espalhados
Por obscuros assistentes administrativos.
Quem haveria de adivinhar que até nas
Estepes geladas da Mongólia apareceria um
Empreendedor para evangelizar?