quinta-feira, 30 de abril de 2009

Acabemos com as palavras

Acabemos com as palavras,
Finalmente!
Empecilhos,
Queremos a essência
dos rostos,
das acções,
A Beleza e o Amor como eles são;

Inventemos a nossa própria língua,
Não lhe chamaremos língua,
Chamemos-lhe anátema!

Depois faremos um Castelo
apenas com ideias, emoções e suspiros,
sem palavras;

Podemo-nos arvorar de criadores,
Quiçá Deuses?

Sairemos à rua
Como Gulliver em Lilliput;
Seremos gigantes num mundo sem factos;

Acabaremos também com o Tempo,
Faremos musas com as unhas dos pés
e escreveremos apenas com os
nossos corpos.

Então viveremos!

O Espelho

Em todas as épocas,
Daquelas que existiram,
Seria difícil imaginar
A vileza em que vivemos.

Se alguém que existiu,
Noutros tempos, noutras eras,
Vive ainda;

O seu espírito
em tudo o que existe;

Transmutar-se-ia


A sua boca e ouvidos,
Nariz e garganta,
Seriam apenas olhos,
Uns olhos estúpidos e desérticos;

Veria, com olhos estúpidos,
Indiferentes ao seu reflexo,

Tal como o espelho o é,
Seja feio ou belo
o seu objecto.

Esse espelho,
Estúpido,
Passaria diante de nós,
(Porque não dotá-lo também de pernas?)

O Belo e aparente,
Deleitar-se-ia,
Como é belo.

O feio veria apenas
o que é;
feio.

Então esse espelho,
O de olhos vazios,
Ver-se-ia em outro espelho;

O que seria?
Porque não imaginar?


Os seus olhos vazios
transformariam

Vida,
Natureza morta,
Frutos podres;

Em vida;

As pequenas infelicidades de cada um
Em troféus,
Recompensas;

O medo de viver
Ver-se-ia
Então,
Ao espelho.

Homens sem pátria

Lembro-me desses homens sem pátria,

Percorrem montes e vales,

Procuram um lugar
onde refastelar as pernas,
E gozar a luz do sol;


Mas o nevoeiro persiste,

Um dia vislumbram uma nesguita
de sol,

Alguém grita o seu nome,

Esquecem-no amiúde…

domingo, 26 de abril de 2009

Apócalipse

«E, ao anjo da Igreja que está em Laodiceia, escreve: Isto diz o Ámen, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus: Eu sei as tuas obras, que não és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca. Como dizes: Rico sou e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre; e cego, e nu.»

Apocalipse do Apóstolo S. João, 3:14-17 – O Ámen é Cristo

Nem quente, nem frio, mas morno,
Sigo pela vida indiferente,
Maldizem-me a alma doente,
Cativa ao eterno retorno;

Não como, não durmo, não falo,
Não faço da ideia ilusão,
Não remo rumo à perdição,
Não sei se grito ou se calo;

Na vida sigo a caldos frios,
Por entre donzelas e imagens,
Absorto em diferentes paragens,
Já nem sei de choro ou se rio;

Só assim todos caminhamos,
Trouxemos a tudo indiferença,
Pés limpos do chão e doença,
Riqueza e pobreza abraçamos;

Mas não! Não são gritos de glória,
Não! Não são gritos de prazer,
De dor se cobre o nosso ser
Presos à carne e à nossa história;

Vomita-nos do teu enredo,
Vomita, Santo, esta escória
Um dia restará a memória,
Daqueles que o Amor faz segredo.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sepulcros Caiados

Sepulcros caiados
Repousam contentes,
Espasmos calados
Rebentam doentes,

Matizes felizes
Cheios de esperança,
De parcas perdizes
Prometem bonança,

Formas falhadas,
Bocas presunçosas,
Couraças armadas
Rugem raivosas;

Num país bem longe,
Mais longe que o sol,
O barão e o monge
Morderam o anzol,

Pegaram nos feridos,
Cuidaram dos mortos,
Honraram perdidos,
Mimaram os absortos,

Mas já nem dos mortos,
Daqueles que havia,
Sobrava a lembrança,
Bem à luz do dia;

E os feridos tantos,
Que nem os contava,
Só vi os encantos
Daquela que amava;

Também os sepulcros,
Sepulcros caiados,
Viviam estultos
E eram amados.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Nós

Erguemos as bandeiras bem alto,
Gritamos de pulmões cheios,
Falamos todas as línguas,
Conhecemos todas as culturas.

Passamos, estreitos, a ideia do sonho;
Tornámo-la real,
Chora-mos por ela,
Violámo-nos por ela;

Sofremos… quantas vezes sofremos!

Ressuscitamos Deus,
Devolvemos os santos aos altares,
Absorvemos as palavras dos homens
como as dos santos.


Tomámo-los por Deuses,
Enfim, tornámo-nos, nós próprios, Deuses;
Quietos ao seu próprio olhar;


Quantas vezes, mas quantas vezes!

Nós, Deuses, descemos do nosso
Altar e beijámos a primeira moça suja que passava.

Lavámos-lhe a face com as suas próprias lágrimas.

Agora, lavam a nossa própria face com as lágrimas de outros.

Apesar de tudo, não somos loucos!

Não, loucos não somos;

Somos sóbrios… demasiado sóbrios,
Tão sóbrios, que poderiam construir
uma nova Babel sobre as nossas cabeças;

Poder-nos-iam dar a honra
de reis da festa e, mesmo assim,
tomarem-nos por palhaços;

Mas a mudança chove todos os dias
E não encontramos Deus, nem na Cruz
nem nos Céus;

Apenas um sabor amargo,
E um mundo imenso lá fora…

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Esta noite, o dilúvio

Esta noite, o dilúvio
De todas as almas condenadas,
E vidas também naufragadas
Encontram, avaras, o mar;

Que corram, deixá-las correr,
Ávidas de prazer, lascivas,
A terra afaga as esquecidas,
É igual, viver ou morrer.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Escuro, tudo escuro

Escuro, tudo escuro,
De Cnossos labiríntico,
O judeu templo cristão;

A ideia da humanidade
Não vale um só químico,
Desses aí, que semeiam angústia;

Bem o sei...
Trocaria tudo isso
Por um pouco de morfina,
Um suave analgésico;

Quem não trocaria palavras
por um momento de paz?

A Guera de Tróia,

O Holocausto,

por um cobertor
quando se tem frio...

domingo, 5 de abril de 2009

Se o vosso coração está em silêncio,
Deixem-no estar em silêncio.
Cerrem ainda mais os ouvidos
ao apelo surdo da verdade.

Quando leio romances antigos

Quando leio romances antigos,
Sinto uma tristeza profunda.
Pois sei que nunca mais será
possível algo assim.
Os heróis românticos falar-me-iam
da igualdade de sexos;
As princesas em regimes conjugais;
Os arqi-inimigos já não
seriam niilistas safados,
mas produtos sociais.
Os enredos seriam completamente
planos e nunca teriam finais felizes.
Por alguma razão,
Ainda alimento a esperança
de ver esses tempos,
No pó das pedras,
No sussurar dos amantes,
No vermelho dos telhados.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Hoje é o dia em que nunca mais seremos,

Afastamo-nos,

Talvez um dia nem as memórias se saibam definir,

Ou quem sabe

o teu olhar ferido,

Aquele instante enternecido

Do nosso eterno regresso.


Mas como podia adivinhar,
Eu, de natureza fraca, inseguro,
Que aquele olhar obscuro
Era apenas o começo?

Era o bem e era o mal,
Era o suco vaginal,
O branco esplendor dos mármores,
A seiva que escorre das árvores…

Se soubesses que ainda hoje vi a turba passar;
Devias ver como esmagava tudo à sua passagem.
Por um momento pareceu que se dirigia a mim.

Dir-lhes-ia apenas,
Que tu és bela,
E tenho tanta pena de um dia morrer.