quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Deriva

Visto o casaco puído do tempo,
Clochard autorizado,
Rugas não tão ansiadas
Cravam-me a testa,
Cicatrizes de combate.

As calças apertadas atolam-me
a natureza;
Os sapatos preparados
Para uma boa refeição.

Em vão tudo desfila diante dos meus olhos:
Máscaras de cores garridas,
Anões e bobos de corte,
Carpideiras contratadas,
Cuspidores de fogo
transportados em traineiras;

Tudo tão irreal
À realidade tão palpável
do meu estômago colado às costas.

Marujos mareados a mil marés
Convidam ao embarque a terra nova
O capitão está louco,
O mapa a estibordo,
A carga no mar flutua…

Chega-se a hora de jantar,
Não chega que tenhas bom estômago
mas também bons dentes,
Pois o pão da emente de hoje é duro;

E que tenhas coragem,
Pois também é bolorento,
E audácia,
Pois terás de o roubar,
E força,
Pois terás de correr com ele.

Já não se preocupam com o que não te dão,
Deves antes preocupar-te com o que ainda te podem tirar;

O capitão está louco,
O barco à deriva,
A carga a estibordo.

Visto-me de nudez vestido
Louco sedento,
Aterroriza-me o descanso.

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