segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dia 25 de Abril, A Álvaro Cunhal

Ah! Manhã!
Apeteces-me à uma
só e una,
Sob o sol primaveril
Que traz a esperança,
A quem tem pouco traz pouco,
A quem de muito bonança,
Manhã de Abril!
De infaustos gaiatos
que brincam na rua,
Minh'alma é só tua,
Portentoso Abril,
Abrupta memória
Inexistente
Do soar fantástico
E hinos de glória,
Agora és de plástico,
Plástico? Nem plástico,
Só absurdo,
Como sempre na história
Te disfarçaste
Como sempre na história
Nos desenganaste
Ao nosso triste fado,
Como sempre na história
O operário respira
O ar envenenado,
Ah! Abril, eterna tristeza,
Eterno naufrágio,
Que já quando era nado
Eras já, Abril corrompido,
Prostituído,
E há quem te encontre um
tom de estío?
Nada, Nada,
De nada servem mais canções,
Preces e ilusões
Mas coragem, só coragem,
Coragem de perder!
Respeito!
Força Abril!
O da memória inexistente...

Dia 24 de Abril, a Salgueiro Maia

Ainda que louco,
mais ingrata é a sorte
que me deixa só,
sem dor nem alegria
nem morte por companhia
mas só,
Mas é cousa de pouca monta,
Pois nestas andanças de estar vivo,
Só coragem e bravura pouco conta
Só?

Dia 23 de Abril, A Rosa Casaco

Doce calma, ar, puro, seco,
Lisboa da minha vida,
O resto? Aranha corcomida
Voando tresloucada pelo tecto.

Lisboa das mil varandas a arejar,
Quem te vira assim desprevenido
Diria que o teu indolente rio
É assim tal como uma espécie de mar.

Lisboa do largo tejo sempre igual,
O mesmo mar que vira outras andanças,
De potestades vãs e vãs esperanças,
Escondido pelas ruas ruge o mal.

Foi-te assim concedido o suave clima
Que abranda às almas os loucos intentos
E a luz abunda e abafa os lamentos
A um monótono amanhecer,

Sempre incrível!
Lisboa possível!
Paraíso...
Paraíso possível...

Dia 22 de Abril, a Soares

Mas que merda de país tu me
saíste, na verdade,
Que só quando se ergue a
voz aos anjos,
Eles nos concedem paz, pão,
povo, liberdade!
E a Guerra--- só a conheço
como tal: Guerra!
De quem da minha vida
me fugiste?
Merda de país que me
pariste!

Dia 21 de Abril, a Cerejeira

Deus é só um,
Mas a vida tão varável,
Mas tão lógica e imutável,
que parece o tempo uno
só por si...
Lógica, Deus... por quem
me obrigas?
Que importa tanto arfar e
inquietação?
Que interessa tanta dor, se
Deus fez tudo?
Calmo... assim é Deus.
Calmo, silencioso, lógico.

Dia 20 de Abril, a Humberto Delgado

Quem ousa amar
e dizer que ganha?
Quem ousa mover-se
no pântano e cantar vitória?
A morte é um lugar
estranho, sempre foi,
e a vida permanente
inquietação...
Só tudo vai passando
e só vejo luz e
barulho - - - agitemo-los
ainda mais , e que
o fogo incendiado em
cada esquina seja meu!
Depois, loucos, extravagantes,
Viveremos para sempre...
Quem ousa?

Dia 19 de Abril, a António Ferro

Sonho? Sonho é nada!
Vida é lutar e acreditar,
O resto? Ideias? Nada!
Só uma ordem...só e expressa
A vontade de um líder escohido,
O resto é caos e abismo,
O desnorte tão perigoso,
Só o heroísmo,
O tudo e o nada,
A pátria amada cujo sol
ilumina
O respeito precioso,
a ordem humana,
só, e um líder,
O resto é nada!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Gaivotas sanguinárias

Dissera avaro um dia assim,
que a estupidez humana é
inexorável
E a bondade, esse monstro
de mãos largas
Sorria-me
como quem dá,
como quem tira,
como quem sofre.
Exclamou-se que a loucura
é contagiosa,
e não tardarei em surpreender
os vizinhos com olhos esgazeados,
como quem dá,
como quem tira,
como quem sofre,
E as ideias, essas..., valem de pouco,
e o homem vale pouco,
e a carne de pouco vale,
Talvez por isso a gaivota
a trazia suspendida no bico,
como quem dá,
como quem tira,
como quem sofre,
E as gaivotas suas amigas,
essas de penas brancas
como um peluche,
cobiçam-lhe a carne pouco valiosa,
como quem dá,
como quem tira,
como quem sofre,
Enquanto a carne solitária
estrebuchava, sozinha e
estrebuchando, pensavam as
gaivotas: se todas trazemos a
nossa carne no bico,
[e] quem dá?
[e] quem tira?
[e] quem sofre?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Corria o ano de sessenta e cinco,
Nem Deus ainda existia,
Ou se existia, não sabia
Que o viria a ser um dia.

O bom pastor olhou o seu rebanho
E viu suas ovelhas bem malhadas,
Momento após momento atordoadas,

Co'a estranha imensidão do universo,

Comiam erva sem saber o que a compunha,
Glícidos, lípidos, triglicérides,
Corriam preocupadas a herdade
Cientes da bestial animalidade,

Mas eis que o bom pastor intercedia,
Corai ovelhas todas de vergonha,
Pois não sabeis que é vossa só a culpa
De o Ser,
Condição medonha...